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A grama do vizinho é também a minha



Há poucos dias a polícia interditou um comércio ilegal ao lado da casa de João. Enganado, o morador da Rua Boa Vizinhança sempre achou que os barulhos vinham de um vídeogame ou um tipo de tentativa de criar um sample musical com uma mistura de N.W.A. e Garotos Podres. Marisa, sua vizinha e proprietária da casa ao lado, considerava que pintar as paredes da sua casa era uma arte. Surpresa ele teve ao descobrir o que acontecia ao seu lado direito: a casa de Marisa funcionava como um bingo há anos, tendo, inclusive, funcionários e câmeras estrategicamente colocadas para proteção de quem frequentava o lugar – e também o estiliza. Curiosamente, o barulho não pareceu proporcional à quantidade de máquinas retiradas do local. 

Era curiosa a forma como a estampa, contida nos objetos de bronze ofertados pelo bingo, agia; as máquinas traziam desenhos enormes, com cores chamativas e em fonte Comic Sans tamanho 72. 

Há poucos dias, o portão de João foi estilizado. No seu direito, ele rapidamente pintou o portão. Aos gritos, dizia que, se era cor que os vizinhos queriam, alí estava. E espalhava com um pincel a tinta Azul Royal pelas paredes, sem ao menos pensar que ao apagar o Times New Roman, por decorrência, daria um convite à Comic Sans. Quanto às máquinas e ao que funcionava na sua vizinha, seu João nada podia fazer, mas caso a dona Marisa começasse a exibir a arte no seu maquinário por aí ou passasse a enfeitar a vizinhança com Comic Sans, automaticamente geraria um problema para ele. 

Para dona Marisa, o uso de Comic Sans não era um problema, e sim a consequência de um: o incômodo de seu João. Para ele, uma pintura de Basquiat no MASP era arte neo-impressionista, mas na rua era Comic Sans, logo, inaceitável. Não que seu João apenas achasse feio alterar a fachada da casa dos outros sem permissão. Não que seu João entendesse verdadeiramente sobre fontes, mas a associação que ele fazia entre os fajutos dizeres nas máquinas de sua vizinha e o grafado fluorescente em seu portão, agora com autoria, era inevitável. 

Pudera, seu João pouco ligava para dotes manuais ou com o patrimônio e sim com o fato de haver quem pinte com tinta spray e não guache, ou com o porquê da dona Marisa ser Comic Sans e não Times New Roman. Seu João agora dispunha de câmeras em sua residência. Não que ele esteja interessado na circulação do bingo ilícito de dona Marisa, mas, sobretudo, em quem o estiliza.  Mais vale tornar pública a indignação e a intenção em definir o tratamento que deve ser conferido a qualquer outra fonte que não Arial. A Comissão de Proteção à Paisagem Urbana (CPPU) tem 13 membros ativos chamados João, nenhum da Rua Boa Vizinhança.

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